Leituras desprogramadas

18/12/2017 20:14

Isa Maria Freire

 

Poderia começar com Resposta a Jó, que me trouxe de volta à questão da individuação humana, do mistério do Verbo que “se fez carne e habitou entre nós”1. Mas o tema está fora do escopo da minha competência técnica: a leitura de Jung é apenas um desafio intelectual, um mapa a ser decifrado ao longo do caminho da vida.

Isso posto, as leituras no campo da informação voltam a ocupar meu tempo, dedicado à busca e ao reencontro de abordagens com as quais desenvolvo, no tear da Ciência da Informação, uma rede conceitual para aplicação no âmbito do regime de informação do Laboratório de Tecnologias Intelectuais – LTi, pari passu com a orientação de projetos no doutorado do Programa de Pós-Graduação da UFPB.

Quando estava brauseando minhas estantes e prateleiras, alguns livros “piscaram” para mim quando olhei para eles, e agora estou sendo abduzida por essas leituras.

Na desordem dessa desprogramação de leituras, reencontro Manuel Castells, em Redes de indignação e esperança – Movimentos sociais da internet, publicado em 2013 e incluindo um posfácio do autor sobre as manifestações públicas brasileiras, nesse mesmo ano. “Articular mentes, criar significado, contestar o poder”, é a proposta de Castells, a partir de sua narrativa sobre como, “mais uma vez, os indivíduos realmente se uniram para encontrar novas formas de sermos nós, o povo” (p. 7).

O autor conta que como os movimentos se espalharam pela internet sem fio, caracterizada pela difusão rápida de imagens e ideias. No livro, analisa a formação, a dinâmica, valores e perspectivas de transformação social dos principais movimentos sociais da sociedade contemporânea. Sua premissa é a de que “as relações de poder são constitutivas da sociedade porque aqueles que detêm o poder constroem as instituições segundo seus valores e interesses” (p.10), e sua análise se fundamenta em teoria desenvolvida apresentada no livro O Poder da Comunicação2.

Mas existe, no ciberespaço da sociedade conectada em rede, uma possibilidade de comunicação para os movimentos contrários ao status quo, um espaço de ação onde “indignação” pode vir a rimar com “esperança” e os excluídos venham a ter voz na política social. Pois “as redes de comunicação são fontes decisivas de construção do poder” (p.10). O termo que surge, nesse contexto, é empoderamento, que Castells sugere como descritor para a sensação que uniu as experiências de indignação na mente dos indivíduos, nos movimentos sociais.

E esse é o atrator da rede conceitual que Raimundo Nonato Ribeiro dos Santos está tecendo na sua pesquisa-tese, no doutorado em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba, sobre o papel da web no empoderamento de grupos sociais no âmbito da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Trazendo, com maestria, a temática para o campo da informação, quando se propõe desenvolver uma ação de política de informação no LTi, conforme pôster apresentado no CBBD 2017 – do grupo temático: Redução das desigualdades3.

Redes de esperança. Penso nelas e me vem à mente a proposição, por Wersig e Neveling4 (1975), de uma responsabilidade social para a Ciência da Informação, que seria a de facilitar a transmissão do conhecimento para aqueles que dele necessitam, na sociedade. Atual, relevante e pertinente.

 

Eita, essa leitura desprogramada valeu!

 

* Doutora em Ciência da Informação pela UFRJ. Professora no Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do Projeto LTi.

 

1 Evangelho de João, 1:14. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/jo/1.

2 Leiam a resenha de Santos, em <https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/pbcib/article/view/33459>.

3 Em <https://docs.wixstatic.com/ugd/a965c4_33dca61eefe3471e98268e5fb95de14a.pdf>.

4 WERSIG, G.; NEVELING, U. The phenomena of interest to information science. The Information Scientist, v. 9, n. 4, 1975.

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